10. molduras do efémero   Fazer arquitectura para desfiles de moda parece uma contradição lógica. A arquitectura, em princípio, lida com a solidez de construções apostadas em durar e capazes de acolher as conveniências e rotinas do quotidiano. A moda, sobretudo na forma mais espectacular da sua presença, que é a apresentação em desfile, é o reino do momento, do acontecimento que se esgota na fruição quase instantânea da aparição.   A arquitectura está do lado da duração. A moda brilha no esplendor da aparição.   Fazer arquitectura para um desfile de moda seria, assim, criar as molduras ideais para dar a ver aquilo que, por opção, destino e capricho, quer ser visto durante o mínimo de tempo possível mas com o máximo de intensidade possível.   Para fazer durar na memória dos olhos a experiência da festa.

    Vejamos como é que os arquitectos Fernando Sanchez Salvador e Margarida Grácio Numes procuraram atingir este objectivo paradoxal nos trabalhos que realizaram para a Moda Lisboa.   Na 15ª edição, no Museu da Cidade, a principal componente da sua intervenção foi a construção de um volume que, envolvendo totalmente a tenda onde decorria o evento, fazia com que ela não pudesse ser vista do exterior (embora pudesse ser sentida, enquanto tenda, no interior, depois de entrarmos) e estabelecia uma relação volumétrica coerente com os outros edifícios existentes naquele espaço.   A parede do referido volume, inclinando-se ligeiramente para o chão, instalava um ponto de fuga peculiar criando uma ilusão de profundidade acrescida, e ilustrando o tema desta edição da Moda Lisboa : "Até ao Infinito". A cor azul garantia a ligação ao céu.   A 16ª edição da Moda Lisboa decorreu na Cordoaria e teve como tema "Pashion", sendo ainda a edição comemorativa do 10º aniversário da Moda Lisboa.

11. Neste caso, os arquitectos assumiram o essencial da estrutura do edifício.   Por isso se fala de arquitectura e não de cenografia, porque o ponto de partida é sempre o espaço dado. A modelação espacial foi feita sobretudo através da luz e de jogos de transparências, produzidos designadamente através da utilização de tules que velavam o acesso do olhar às roupas expostas no âmbito da evocação de dez anos de desfiles. Tratava-se de criar uma distância protectora do olhar que colocasse todas as roupas num mesmo plano de actualidade, minimizando as suas marcas de época.   A intervenção mais relevante, na zona dos desfiles, consistiu na criação de um palco de 10 metros por 10, por onde se fazia a entrada para a passerelle, e que era povoado por um conjunto de paineis, brancos de um lado e forrados a folha de cobre do outro e prontos a receber projecções. Estes paineis podiam ser deslocados e re-compostos, permitindo a cada estilista desenhar a sua entrada de um modo peculiar e criando pequenos momentos coreografados no arranque de cada desfile.

    Afinal, a moldura do efémero talvez seja suficientemente importante para merecer a intervenção esclarecida e rigorosa da arquitectura. Porque a intensidade com que o brilho fugaz de um corpo ou de um encontro pode perdurar para sempre na nossa memória talvez dependa, em grande medida, das características do espaço em que esse momento, fugaz, eclodiu.   Alexandre Melo Professor de Sociologia da Arte e Cultura Contemporânea (ISCTE)

MODALISBOA 16ª EDIÇÃO (MUSEU DA CIDADE, LISBOA - 2001)